Vacinas: para que temer algo que nos protege?

     A personagem Zé Gotinha ocupa, certamente, uma posição de destaque entre as figuras mais icônicas da publicidade brasileira. Criada em 1986 pelo artista plástico Darlan Rosa, essa consiste no símbolo do Programa Nacional de Imunizações (PNI), em especial no que se refere à Campanha Nacional Contra a Poliomielite.

    A poliomielite - também conhecida como "paralisia infantil" - é uma doença causada pelo poliovírus (PV), o qual pode ser disseminado através do consumo de água e alimentos contaminados, bem como pelo contato com pacientes acometidos pela doença.  Entre possíveis sintomas, estão febre, dor de garganta, náuseas, vômitos e, em aproximadamente 1% dos infectados, paralisia nos membros inferiores

    A ideia de se criar um "mascote" surgiu na década de 1980, quando observou-se uma grande resistência à vacinação - não só por parte das crianças, como também de seus responsáveis -, o que, consequentemente, fez com que a incidência de casos de poliomielite aumentasse a níveis preocupantes. Felizmente, semelhante campanha teve resultados surpreendentes, de tal modo que o Brasil recebeu o certificado de eliminação da pólio em 1994.


        Diante disso, haja vista o enorme sucesso dessa estratégia, a personagem Zé Gotinha foi, posteriormente, incorporada às campanhas de vacinação contra diversas outras doenças - como, por exemplo, de varíola e sarampo. Tal, por sua vez, foi feito através de sua participação em propagandas vinculadas ao Programa Nacional de Imunizações (PNI), mediante o qual a população brasileira tem acesso gratuito a todas as vacinas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). 

    Contudo, mesmo depois de resultados tão promissores, os índices de imunização - em praticamente todos os países - têm caído drasticamente. No caso do Brasil, uma das consequências mais evidentes desse fenômeno foi a ocorrência de surtos de sarampo na região Sudeste entre os anos de 2018 e 2020 - sendo que o país recebera, em 2016, o certificado de erradicação da doença. Ao meu ver, o aspecto mais problemático de semelhante situação reside no principal motivo do aumento da resistência à imunização: a desinformação.

(Vídeo criado pelo Ministério da Saúde em resposta ao surto de sarampo, bem como à baixa adesão à imunização contra a poliomielite, em 2018)

    Tendo isso em vista, a publicação desta semana teve como principal objetivo "desmistificar" o desenvolvimento - assim como os efeitos - das vacinas e, com isso, tentar contribuir para a divulgação de informações confiáveis e construtivas 📢

    A associação da vacinação ao autismo e as consequências catastróficas das 'fake news'

    A origem de tão grande desconfiança em relação às vacinas se deu em um polêmico "artigo cientifico" publicado na revista Lancet, no dia 26 de fevereiro de 1998. Nele, Andrew Wakefield apresentava os resultados de sua suposta pesquisa envolvendo um grupo de 12 crianças que apresentavam "comportamentos autistas", bem como uma "inflamação intestinal grave". Segundo ele, a única coisa que tais pacientes tinham em comum eram vestígios do vírus causador do sarampo, os quais seriam oriundos da vacina "tríplice viral" - responsável pela imunização contra o sarampo, caxumba e rubéola.

    Curiosamente, tal artigo popularizou-se dentre a população europeia e, posteriormente, mundial. Atualmente, existem diversos grupos - principalmente em redes sociais como o Facebook e o WhatsApp - formados por indivíduos que se classificam enquanto "anti-vacinas". As proporções dessa publicação tomaram tamanhas proporções que essa chegou a ser citada em um polêmico "tweet" de Donald Trump em 2018.

        Contudo, após anos de análises, estudos e debates dentre a comunidade científica, chegou-se a constatação de que semelhante teoria era falsa. Ademais, descobriu-se que, pouco antes de publicar seu artigo, Wakefield solicitara o pedido de patente para uma vacina contra o sarampo que estava desenvolvendo, a qual "concorreria", justamente, com a tão temida "tríplice viral". Para agravar ainda mais a situação, um dos médicos que auxiliou Wakefield em suas pesquisas indicou que, na realidade, não foram encontrados vestígios de sarampo em nenhum dos 12 pacientes estudados. Porém, esse decidiu ignorar tal fato a fim de que suas conclusões não fossem prejudicadas. Em outras palavras: Andrew Wakefield fraudou os resultados de sua pesquisa, utilizando informações falsas como argumentos.


    Em virtude da atitude antiética de Wakefield, e das consequências catastróficas decorrentes dessa, o Conselho Geral de Medicina do Reino Unido (GMC - UK) o julgou "inapto para o exercício da profissão", sendo "irresponsável", "antiético" e "enganoso". Ademais, a revista Lancet afirmou que o artigo - publicado por ela em 1998 - apresentava conclusões "totalmente falsas".

    Como as vacinas surgiram?

    A origem das vacinas é, no mínimo, inusitada, envolvendo uma senhora que ordenhava vacas, um garoto de 8 anos e um médico inglês.


    Em 1789, Edward Jenner - médico inglês nascido em 1749 - percebeu que, no geral, indivíduos que constantemente ordenhavam vacas não contraíam a varíola novamente após de terem adquirido a forma animal da doença pela primeira vez. Ou seja, se você trabalhasse no ramo e tivesse contraído o sarampo bovino - o qual, no geral, é mais brando -, você se tornaria "imune", mesmo depois de entrar em contato com outros animais ou pessoas contaminadas.
    A fim de testar sua hipótese, Jenner decidiu inocular o vírus da varíola bovina em James Phipps - que, na época, tinha oito anos -, através do pus drenado da mão de uma fazendeira que contraíra a doença. James teve a doença de forma branda, tendo se recuperado rapidamente após o diagnóstico. No mês seguinte, Edward repetiu o mesmo experimento em James, agora utilizando-se de uma pústula de varíola humana. Contudo, neste caso, o garoto não apresentou qualquer manifestação da doença: estava imune!

    Após realizar novos testes em outras crianças - inclusive, em seu próprio filho -, e sofrer represálias em razão dos métodos utilizados para tal, o trabalho de Jenner foi reconhecido e divulgado em 1798. Em pouco tempo, outros países adotaram a vacinação e obtiveram resultados extremamente positivos. Diante disso, o primeiro Instituto Vacínico - isto é, a instituição na qual as vacinas são desenvolvidas - foi criado em Londres, no ano de 1799. Desde estão, vem sido conquistados diversos avanços no que tange ao desenvolvimento de vacinas, o qual tem incorporado novas tecnologias para torná-las cada vez mais eficientes e acessíveis.

    A fim de entendermos melhor como esse processo funciona, é interessante retomarmos o conceito de antígeno - sobre o qual eu falei na publicação "Imunidade de rebanho e COVID-19: uma combinação ainda incerta".
  • Antígeno: substância "estranha" ao organismo que, por isso, induz a produção de anticorpos. Neste contexto, utilizaremos o termo como sinônimo para agentes patogênicos, ou seja, os vírus e bactérias (bem como derivados desses) que causam as doenças.
    Quando um indivíduo entra em contato com um determinado antígeno, seu organismo passa a produzir anticorpos com o intuito de combatê-lo. Contudo, no primeiro contato, tal processo é lento e, em virtude disso, o indivíduo tende a desenvolver os sintomas da doença. Com efeito, também será criada uma memória imunológica em relação a esse determinado antígeno, de modo que, em futuros contatos, a resposta imunológica será mais rápida e intensa - e, em muitos casos, pode evitar que o indivíduo adquira a doença atrelada àquele patógeno.



    Tal princípio explica a "imunidade" observada por Edward Jenner, e, consequentemente, o funcionamento das vacinas. Nelas, a introdução de antígenos inativos ou atenuados no organismo do indivíduo estimula a produção de anticorpos por parte desse, criando uma memória imunológica sem a necessidade de contrair a doença. Além disso, não há motivos para temer as vacinas, haja vista que, antes de entrarem em circulação, essas são submetidas à inúmeros testes de segurança.

Comentários

  1. Que post mais lindo!!!!!! Amei, de verdade. Quero tirar cópia dele e esparramar pela cidade para todos os que vivem aqui terem a oportunidade de ler e aprender sobre isso. Achei muito legal a história das vacas, muito legal mesmo, ainda não tinha conhecimento. Nesse período de pandemia que estamos vivendo, é essencial ter consciência de que os trabalhos desenvolvidos são para ajudar e não atrapalhar <3 <3

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