Artigo: SIMPLIFICANDO A RADIOTERAPIA

SIMPLIFICANDO A RADIOTERAPIA

Autores:

Pedro Cadamuro Travagin

Sara Nunes Mader Garcia 

Curso de graduação em Física Médica, Departamento de Física, Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo


Introdução

     A radiação pode ser definida como a propagação de energia de um ponto a outro no espaço, podendo ocorrer como uma onda eletromagnética ou uma partícula (dualidade onda partícula). Abordaremos um tipo de radiação específica neste artigo, a radiação ionizante.    

    A radiação ionizante é aquela que tem energia suficiente para ionizar átomos, ou seja, arrancar seus elétrons.  Esse processo de ionização se torna danoso pois altera a estrutura de moléculas que antes eram estáveis, e como tudo tenta se estabilizar no universo, a ionização pode provocar relações entre as moléculas que não deveriam acontecer. Isso pode ocorrer com qualquer molécula de nosso corpo mas é extremamente perigoso quando essas relações afetam nosso DNA, direta ou indiretamente.

    A forma direta faz com que a radiação quebre ligações químicas fundamentais entre os nucleotídeos na estrutura do DNA, afetando-o diretamente, como o nome sugere. A forma indireta ocorre através da quebra das ligações de uma molécula de água, liberando componentes altamente reativos (radicais livres) que obtém elétrons para se estabilizarem e podem, por sua vez, provocar uma reação com o material genético (DNA), danificando-o através de seu alto poder de reatividade. A maioria das quebras de ligações do DNA acontecem pela ação de radicais livres.

    Se os danos ao DNA forem significativos ou se ocorrer alguma falha em sua reconstrução, pode-se ocasionar a morte da célula. Esse cenário de morte celular ocorre com altas doses de radiação absorvida e é a essência do funcionamento da radioterapia para o tratamento de tumores. 


A História da Radioterapia

    Em 1895, o físico alemão Wilhelm Roentgen (1845-1923), vencedor do prêmio Nobel em 1901, descobriu os raios-X durante o estudo da luminescência de um dos experimentos que realizava. Um mês depois foi realizada a primeira radiografia da história, Roentgen colocou a mão de sua esposa em uma chapa de metal juntamente com um filme fotográfico, e a expôs a radiação por cerca de 15 minutos, revelando a anatomia de seus ossos através de uma imagem, como é possível ver a seguir.

Figura 1 – Primeira radiografia da história

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Xray_by_Wilhelm_R%C3%B6ntgen_of_Albert_von_K%C3%B6lliker%27s_hand_-_18960123-02.jpg

    Pouco tempo após a descoberta dos raios-X, já existiam aplicações medicinais desse tipo de técnica para diagnósticos em geral e para tratamento de câncer.

    Após a descoberta dos raios-X, muitos cientistas do mundo inteiro começaram a pesquisar a relação entre materiais/substâncias florescentes e fosforescentes com a possibilidade de emissão de radiação similar aos raios-X. Um ano após a descoberta dos raios-X, Antonie Henri Becquerel (1852-1908) anunciou a descoberta da radioatividade. Ele revelou que certos elementos, como o urânio, emitiam constantemente e espontaneamente radiações parecidas com as dos raios-X, porém mais energéticas. Assim iniciaram-se as descobertas das fontes naturais de radiação. A descoberta da radioatividade rendeu o prêmio Nobel de Física de 1903 para Becquerel.

    Poucos anos após a descoberta da radioatividade por Becquerel, as raízes da radioterapia ficavam cada vez mais fortes, dessa vez com Marie Curie (1867-1934) e Pierre Curie (1859-1906). O casal Curie contribuiu fortemente com a ciência das radiações e descobriu os elementos polônio e rádio, que são grandes emissores de radiação. A descoberta rendeu a eles o prêmio Nobel de Física em 1903, junto com Becquerel. Além de descobrir novos elementos radioativos naturais, Marie Curie ainda demonstrou que as radiações descobertas por Becquerel poderiam ser medidas usando técnicas baseadas nos efeitos de ionização (intensidade da radiação é proporcional a massa).

    Com o avanço tecnológico e científico, a área radioterápica ficou ainda mais forte e eficiente. Foi possível entender os malefícios e os benefícios que a radiação poderia trazer, aperfeiçoando os protocolos de segurança à radiação tanto para os pacientes que são expostos, quanto para os profissionais que entram em contato com a radiação.

    Nos dias de hoje existem novas modalidades e novos equipamentos que utilizam e/ou geram radiação, por exemplo: tomografia, ressonância magnética, cintilografia, ultrassonografia, aceleradores lineares, entre outros. As inovações tecnológicas aliadas a radiação são essenciais para a qualidade do tratamento radioterápico hoje e no futuro. 

Figura 2 Aparelho de tomografia

Fonte: http://cedip.com.br/exame/tomografia-computadorizada-multi-slice/


Radioterapia

    A Radioterapia pode ser definida como a modalidade médica que usa radiação ionizante para eliminar ou impedir o crescimento de tumores. Atualmente, como se sabe muito mais sobre as radiações ionizantes, os tratamentos radioterápicos serão sempre planejados com segurança, de modo a preservar o tecido saudável o máximo possível, por mais que ainda existam casos em que o paciente apresenta efeitos colaterais, já que sempre haverá tecidos saudáveis próximos ao tumor afetados pelo tratamento. Os efeitos colaterais variam de pessoa para pessoa e de acordo com a região aplicada, os mais comuns são: pele ressecada, avermelhada ou escurecida, náuseas, cansaço, perda de apetite, perda de pelos no local do tratamento, entre outros. É importante salientar que no tratamento radioterápico o paciente não sente dores enquanto a radiação é aplicada.

    Aproximadamente 70% dos pacientes diagnosticados com câncer irão ser tratados com a radioterapia em algum momento, segundo a OMS (organização mundial da saúde), e os benefícios proporcionados em saúde e qualidade de vida são muito mais significativos que os possíveis efeitos colaterais, pois mesmo quando a cura não é obtida, a redução do tamanho do tumor proporciona uma melhoria na qualidade de vida do paciente, podendo reduzir hemorragias, dores e outros sintomas que causam desconforto.

    A radioterapia pode ser feita com a intenção de diminuir o tumor para uma futura cirurgia (neoadjuvante), pode ser associada com a quimioterapia ou cirurgia (adjuvante), pode ser o principal tratamento de combate ao câncer (curativa) e pode também ser utilizada apenas para melhorar a qualidade de vida do paciente (paliativa). É importante ressaltar a importância do físico médico na radioterapia, pois é o responsável pelo planejamento do tratamento e pelo controle de qualidade dos equipamentos.

    Duas das formas mais utilizadas de radioterapia são a braquiterapia, também conhecida por radioterapia interna, e a teleterapia, também conhecida por radioterapia externa.

 

Braquiterapia

    Originada da palavra grega “brachys”, que significa “curta distância”, a braquiterapia também pode ser chamada de radioterapia interna, radioterapia de fonte selada, curieterapia ou endocurieterapia. Neste tipo de radioterapia, uma fonte de radiação será colocada dentro ou perto da área que necessita ser tratada, esse material radioativo poderá ser implantado em forma de cápsulas ou sementes por meio de guias chamadas sondas ou cateteres.

    A braquiterapia costuma ser realizada com anestesia, podendo ser local ou geral, para então ser inserido os cateteres que colocam o material radioativo no corpo do paciente. A fonte de radiação pode ser deixada lá por alguns minutos, dias, ou para o resto da sua vida, dependendo da situação do tratamento, porém por mais que sejam deixadas permanentemente, após um período de tempo a radiação emitida será praticamente zero, ou seja, vão se decompondo aos poucos, não possuindo efeito duradouro.

    É frequentemente questionado se a pessoa que realizou braquiterapia acaba por emitir algum tipo de radiação, já que foi inserida dentro da pessoa, porém independentemente da duração da fonte de radiação, os níveis são muito baixos e só é afetado alguns milímetros próximos da fonte radioativa, não apresentando riscos ao paciente ou às outras pessoas. Em alguns casos de braquiterapia em que a fonte de radiação é colocada permanentemente, o médico pode aconselhar, por precaução, que a pessoa que recebeu o tratamento evite pegar crianças pequenas ou se aproximar muito de mulheres grávidas por um determinado período de tempo, pois estes são mais sensíveis a esse tipo de emissão.

    A radioterapia interna, por irradiar uma área mais limitada, acaba sendo mais precisa, podendo ser mais efetiva na destruição das células cancerígenas e na preservação das células saudáveis, e costuma demonstrar mais eficiência contra o câncer de mama, útero, próstata e pele.

Figura 3 - Capsula emissora de radiação

Fonte: https://www.slideshare.net/garoacevedo/braquiterapia-64747158


Teleterapia

    Teleterapia é um tipo de aplicação radioterápica mais conhecido e mais utilizado que a braquiterapia, e a diferença entre elas está basicamente na posição da fonte de radiação.

    A teleterapia, que também é chamada de radioterapia externa, pode ser definida como a forma de tratamento em que a fonte de radiação fica do lado de fora do corpo do paciente, em um aparelho que emite radiação. Geralmente esse tipo de tratamento costuma durar algumas semanas e as aplicações são bem rápidas, durando poucos minutos. Tudo depende do local, da massa tumoral e principalmente da dose a ser aplicada. O planejamento do tratamento é fundamental para o sucesso do mesmo.

    A radiação envolvida na teleterapia deriva de dois tipos de emissores: naturais e artificiais. Na década de 40, ocorreu uma revolução no campo radioterápico quando os radionuclídeos começaram a ser produzidos, como o Cobalto 60 e o Césio 137. Radionuclídeos são, basicamente, átomos instáveis que buscam a estabilidade liberando radiação ionizante, portanto são emissores naturais de radiação. Já os emissores artificiais são máquinas desenvolvidas pelo ser humano que basicamente aceleram partículas através de micro-ondas. Um exemplo muito conhecido são os aparelhos de raio-X, outro exemplo seria os aceleradores lineares que são mais recentes na história e pouco conhecidos. 

Figura 4 - Cobalto 60

Fonte: https://fr.wikipedia.org/wiki/Cobalt_60#/media/Fichier:Cobalt-60.jpg

 

Figura 5 - Acelerador linear

Fonte: https://revistaadnormas.com.br/2020/07/28/o-desempenho-dos-aceleradores-lineares

    Uma das diferenças entre os tipos de fontes apresentadas é o nível de radiação que cada uma libera, permitindo tratamentos mais profundos conforme for maior a energia liberada.

    A principal diferença e uma das que mais deve-se dar atenção, é que as fontes naturais sempre emitem radiação, 24h por dia, então os aparelhos que contém fontes naturais de radiação devem ser perfeitamente vedados para garantir a segurança dos pacientes e dos profissionais em torno dele, a menor falha que seja pode causar a exposição de muitas pessoas a fontes fortíssimas de radiação por muito tempo. Já que não vemos, não ouvimos e não sentimos uma exposição radioativa, essa exposição pode causar danos permanentes ou até a morte aos irradiados. Já os aparelhos com fontes artificiais como os aceleradores lineares, por exemplo, não possuem uma fonte radioativa constante pois produzem fótons de alta energia (para tratamentos profundos) e fluxos de elétrons (para tratamentos superficiais) portanto são mais seguros na manipulação e convivência.

    Atualmente, os principais aparelhos com fontes naturais utilizam o Cobalto 60 em sua emissão, pois ele é um radionuclídeo que libera uma alta taxa de radiação e permite tratamentos mais profundos e energéticos. O Césio 137 é utilizado para tratamentos superficiais com doses menores de radiação absorvida pelo paciente.    

    Os aparelhos de aceleração linear surgiram pela primeira vez em 1952 e nessa mesma época as fontes naturais também começaram a ser utilizadas nos tratamentos radioterápicos. Antes disso, as teleterapias eram realizadas pelos aparelhos de raios-X e possuíam baixa emissão radioativa comparada com as máquinas atuais, portanto possuíam baixo poder de penetração e alguns tipos de tratamentos não poderiam ser realizados. A “revolução radioterápica” das décadas de 40 e 50 permitiu um alto desenvolvimento na teleterapia e na gama de tratamentos oferecidos aos pacientes em tão pouco tempo, contudo é interessante notar como os raios-X foram a base da descoberta da radioatividade e também do desenvolvimento radioterápico.


Conclusão

     A radioterapia atingiu níveis importantíssimos e fundamentais para a saúde humana no último século, salvando vidas e melhorando a qualidade de vida dos pacientes que passam por momentos delicados de saúde. Muitas pessoas, porém, não tem grandes conhecimentos dessa área, ou a enxergam com maus olhos pelo preconceito que foi gerado em volta da palavra “radiação”, devido a grandes acidentes ocorridos na história causados por negligência do ser humano. A radiação bem aplicada e bem controlada impulsiona o desenvolvimento do ser humano em diversos setores.

    É interessante observar esse avanço tecnológico em tão pouco tempo na área da saúde e da ciência, isso nos faz olhar para o futuro com esperança e ambição. Que novas técnicas serão descobertas? Novas máquinas serão desenvolvidas? A aplicação da física na medicina, como por exemplo a radioterapia, é muito promissora e nos permite lidar cada vez melhor com o câncer, uma das doenças que mais mata no mundo atualmente. 


Referências

Manual para Técnicos em Radioterapia. Disponível em:

<https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//pqrt_man_tec_rdtrp.pdf >.

 

Radioterapia. Disponível em:

<https://www.hospitalsiriolibanes.org.br/hospital/especialidades/centrooncologia/Paginas/radioterapia.aspx>.

 

Radioterapia. Disponível em:

<https://www.accamargo.org.br/sobre-o-cancer/tratamento-oncologico/radioterapia>.

 

O que é Radioterapia. Disponível em:

 <http://www.cccancer.net/tratamento/o-que-e-radioterapia/>.

 

História da Radiologia. Disponível em:

<https://www.spr.org.br/a-spr/historia-da-radiologia>.

 

A Descoberta dos Raios-X. Disponível em:

<https://www.if.ufrgs.br/tex/fis142/fismod/mod06/m_s01.html>.

 

Tratamento do Câncer. Disponível em:

<https://www.inca.gov.br/tratamento/radioterapia>.

 

Como é realizada a braquiterapia. Disponível em: 

<https://www.wecareskin.com/blog/tudo-sobre-a-braquiterapia>.

 

Braquiterapia. Disponível em:

<https://pt.wikipedia.org/wiki/Braquiterapia>.

 

Radiation therapy to treat cancer. Disponível em:

<https://www.cancer.gov/about-cancer/treatment/types/radiation-therapy>.

 

Teleterapia-Aula do curso de Radioterapia da famesp. Disponível em:

<https://www.youtube.com/watch?v=_GCVP8TP6KI>.

 

Como a Radiação Mata?. Disponível em:

<https://www.youtube.com/watch?v=xFxRQdb1s5c&t=542s>

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